14 de abril de 2022

Cidades do Café: Santa Rita do Sapucaí, onde cultura cafeeira e tecnologia se encontram

Compartilhar:

Num país cafeeiro como o Brasil, milhares de cidades têm o café com um de seus pilares culturais e financeiros. Para dar visibilidade e apresentar esses lugares especiais, o PDG Brasil apresenta a série de artigos “Cidades do Café”. Para estrear esse conjunto de artigos, vamos retratar a conexão entre Santa Rita do Sapucaí e o café.

Com 40 mil habitantes, Santa Rita do Sapucaí tem um renome maior que sua área ou que a população ali residente. Conhecida como “o Vale do Silício brasileiro”, a cidade conta com importantes instituições de ensino voltadas a áreas relacionadas à tecnologia, sendo a principal delas o Inatel – Instituto Nacional de Telecomunicações, faculdade e hub de inovações reconhecido em escala global pela excelência que possui.

Mesmo com toda essa reputação baseada na alta tecnologia, há muito espaço para atividades tradicionais como a cafeicultura e a criação de gado leiteiro. Situada às margens do rio Sapucaí Mirim, no extremo sul do estado de Minas Gerais e em meio à Serra da Mantiqueira, a cidade tem as prerrogativas necessárias para ser protagonista regional no mercado de cafés especiais e por isso mesmo conta com profissionais e empresários ativos na condução desse projeto.

Para conhecer um pouco mais sobre os motivos de Santa Rita ser uma das cidades do café, PDG Brasil conversou com empresas e profissionais importantes de diversos setores locais que direta ou indiretamente têm ligação com o cultivo, o processamento e a comercialização desses grãos tão admirados.

Você também pode se interessar por este artigo: Os desafios para tornar o café especial mais inclusivo no Brasil.

café mantiqueira de minas

Contextualizando o surgimento da cafeicultura na cidade

Janilton Prado, secretário municipal de Cultura, Esportes, Turismo e Lazer conta que o cultivo dos primeiros pés de café na cidade data do ano de 1870, segundo estudos realizados pelo historiador Ideal Vieira. O primeiro cafeicultor do município foi Joaquim Cândido Rodrigues, cujas terras hoje fazem parte da Fazenda Chalé, que atualmente se dedica à pecuária leiteira, outra atividade de destaque na economia local.

De acordo com o secretário, a cafeicultura só passou a fazer parte da realidade local por conta da chegada da ferrovia à cidade e à região. “Inicialmente, a produção agrícola local era baseada na plantação do fumo, uma vez que se precisava optar por algo que fosse leve e de fácil negociação, considerando que o produto era transportado no lombo de burros de carga até o Rio de Janeiro. Com a chegada da estrada de ferro passou a ser viável o cultivo de outras espécies, e foi aí que o café entrou em nossas vidas.” 

Desde então, o cultivo do cafeeiro foi se tornando cada vez mais relevante economicamente na cidade, a ponto de o município ter ficado completamente arrasado quando houve o grande crash da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929. Aos habitantes de Santa Rita, parecia que não haveria mais saída e que a miséria seria a nova realidade a que todos estariam submetidos. Felizmente a história tratou de percorrer outros caminhos, como podemos ver a seguir.

sinhá moreira santa rita do sapucaí

Sinhá Moreira: uma unanimidade local

Avançando um pouco mais na história, chegamos ao nome de uma personagem que é citada ao longo das conversas que tivemos com praticamente todos os entrevistados para este artigo: Luzia Rennó Moreira ou Sinhá Moreira, como é carinhosamente chamada pelos santarritenses. Sobrinha de Delfim Moreira, ex-presidente da república que residiu em Santa Rita do Sapucaí desde a juventude até seus últimos dias, ela é citada como referência tanto pelos personagens do mercado de cafés quanto por aqueles cujas atividades têm mais a ver com o lado empreendedor e inovador do município.

De acordo com Janilton, Sinhá Moreira teve um casamento arranjado com um primo, que era também diplomata. Justamente devido à profissão do marido, o casal residiu em diversos países e nessas andanças vivenciou experiências que repercutiram em seu íntimo de forma a criar uma percepção peculiar acerca do empreendedorismo e da inovação, temas avançados e pouco discutidos à época.

Diz a lenda que, quando morava no Japão, ela teve a oportunidade de assistir a uma palestra de Albert Einstein, em que o físico dizia que o futuro da humanidade seria moldado pela eletrônica. Foi aí que Luzia teve o insight de pavimentar o caminho para que esse campo do conhecimento chegasse até o Brasil por meio de sua cidade natal. 

Ela então se divorciou do marido, retornou ao Brasil no início da década de 40 do século passado e deu início a projetos voltados à promoção de novas oportunidades para Santa Rita. Ao final da década se dedicou à construção do que viria a ser a primeira escola técnica de eletrônica em toda a América Latina, um importante legado que até hoje faz parte do imaginário da cidade e da região. Muito em decorrência de ações como essa, o nome de Sinhá Moreira e sua atitude visionária até hoje ecoam no espírito inovador que permeia a cidade.

microtorrefação sul de minas

Negócios do café em Santa Rita

Santa Rita do Sapucaí é a terra natal da atual diretora-executiva da OIC, Vanusia Nogueira e tem uma cena cafeeira bastante movimentada. Há algumas cafeterias de diferentes propostas pela cidade, como a Nano Coffee Lab, a Grandpa Joel’s e a Madeira Café. Há ainda torrefações independentes como a Cafetelier, fundada por Anna Oppenheimer, que, segundo ela, tem como proposta ser um laboratório aberto e em constante transformação com objetivo de acompanhar a própria evolução do mercado de cafés no mundo. 

Segundo a torrefadora, “trabalhar com produtores e conectar pessoas é universalizar as oportunidades dentro da nossa esfera de ação. Apresentar ao paladar das pessoas um café de qualidade e democratizar o acesso aos cafés de qualidade é nossa missão”. Ela acrescenta ainda que a cidade tem um ambiente propício para o empreendedorismo cafeeiro. Nesse sentido, Anna diz: “Atuamos em toda a cadeia cafeeira na cidade e também faço parte do grupo Empreendedoras do Café. Tenho orgulho de tantas mulheres que, assim como Sinhá Moreira, pensam à frente do nosso tempo. Enxergo um cenário brilhante para quem quer trabalhar com nosso grão mágico, e com muito retorno a toda população”.

Igualmente parte do grupo de Empreendedoras do Café, Daniele Carvalho Mohallem é também CEO da Agrorigem, negociadora de cafés especiais que atua representando os cafés de sua própria família e de outros produtores locais no mercado interno e externo. A empresa também oferece workshops com o objetivo de difundir o conhecimento sobre cafés especiais em âmbito regional como forma de agregar maior visibilidade à cidade e à cadeia produtiva, criando a consciência no público local a respeito dos cafés em nível de excelência produzidos nos arredores do município.

Daniele é uma apaixonada por Santa Rita do Sapucaí e evidencia isso em suas palavras. “A cidade inspira tecnologia e inovação e oferece sempre um ótimo café. A qualidade de vida em Santa Rita é muito alta. É uma cidade que quer crescer e faz isso de uma maneira muito saudável, focando em educação de alto nível e geração de oportunidades.”

café especial

Lucas Moreira Capistrano de Alckmin, COO da M&A Coffees e diretor-presidente da CooperRita também acredita no potencial da cidade como agregadora de investimentos e inovações, mas também como uma das líderes na produção de cafés especiais no Brasil. “Temos todos trabalhado pelo fortalecimento da cadeia do café no nosso município e acredito que estamos no caminho certo: fazemos parte da Rota do Café do Ministério do Turismo, temos cafeterias de cafés especiais, tudo para entregar as melhores experiências possíveis para o público entusiasta do café”, explica.

Ele vai mais além ao enaltecer as características do terroir ao qual a cidade faz parte, Mantiqueira de Minas. “Aqui o solo e as condições climáticas são extremamente favoráveis à produção de cafés de alta qualidade com personalidade sensorial. E muitos cafés especiais de alta pontuação surgiram nas últimas colheitas graças aos esforços dos produtores em aprimorar cada vez mais os processos de pós-colheita.”

Hackeando experiências ao sabor de café

Falar de Santa Rita do Sapucaí nos dias de hoje é impossível sem citar o Hacktown, que teve sua primeira edição no ano de 2016 e hoje já ocupa lugar cativo entre os principais eventos focados em inovação, economia criativa, transformação digital e cultura de todo o mundo.

O evento é organizado por uma equipe de criativos, alguns nascidos em Santa Rita e outros que vieram por conta do projeto e se conectaram ao município com tanta intensidade que decidiram se mudar para a cidade, como Ralph Peticov.

Ele relembra com detalhes como o evento começou a ser concebido, ao mesmo tempo em que enaltece o potencial da cidade. “A ideia surgiu em Austin, em 2014 numa edição do SXSW. Foi lá que eu conheci o Carlos Henrique Villela, que é de Santa Rita. Ele me contou os planos que tinha de fazer um evento na cidade e conhecia outros profissionais que poderiam se juntar ao projeto, e acabariam se juntando mesmo: Marcos David e João Rubens Costa Fonseca.

Voltando a 2014, o Carlos Henrique me chamou então para fazer um TEDx em Santa Rita, que aconteceu de fato no ano seguinte. Foi aí que eu me dei conta que Santa Rita é uma cidade que não ocupa, ainda, o lugar que merece. Talvez por excesso de humildade, porque motivos para tanto existem aos montes. Que outra cidade desse porte no país tem condições de apontar como uma de suas principais ‘commodities’ a educação de excelência, da base ao ensino superior?”

Na última edição em formato presencial, realizada em 2019, o evento teve um público de 8.000 pessoas participantes dos debates e workshops, além de outras 25 mil pessoas nas atividades noturnas e abertas ao público. Além disso, possibilitou a injeção de algo entre 10 e 15 milhões de reais em quatro dias, por meio dos produtos e serviços adquiridos em estabelecimentos da cidade durante a realização do Hacktown. Nesse sentido, João Rubens e Ralph apontam que sua realização demanda muita reponsabilidade no sentido de que o evento seja gentil com a cidade, assim como com quem o prestigia.

João Rubens complementa o depoimento de Ralph e aproveita para discorrer sobre a relevância do café no contexto do evento: “O Hacktown se tornou o que ele é por causa dos insumos que a cidade mesmo já disponibilizava, por isso ele sempre vai levantar também a bandeira do café. Contamos com a presença de profissionais da área não só nas praças de alimentação, mas compartilhando conhecimento e informações em cursos e workshops”.

café mantiqueira de minas

Todos esses relatos e experiências demonstram que o legado de Sinhá Moreira segue muito vivo, promovendo o encontro da tradição com a inovação e estimulando debates muito sadios que devem render frutos bastante duradouros não apenas para o município, mas para toda a região. Assim, Santa Rita do Sapucaí vai escrevendo seu nome entre as cidades mais importantes para o café no Brasil.

Créditos: Acervo da Secretária Municipal de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo (destaque e fotos da cidade); Divulgação Cafetelier; Divulgação Agrorigem; Acervo Hacktown; Divulgação M&A Coffees.

Compartilhar: