8 de fevereiro de 2023

Explorando a produção do café na Sicília

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No verão de 2021 houve a primeira colheita de um café cultivado na Sicília, ao sul da Itália. A safra de 30 kg de cerejas foi cultivada por Arturo Morettino e seu filho Andrea, da torrefação Morettino Coffee .

Foi durante uma viagem à Guatemala para comprar café verde para a sua empresa que Arturo se inspirou para começar sua plantação. O Jardim Botânico de Palermo, capital da Sicília, forneceu as primeiras sementes para o projeto: uma variedade de origem etíope. Estas sementes foram então plantadas no vilarejo de San Lorenzo ai Colli.

Depois de diversos testes e muita perseverança, o projeto dos Morettinos finalmente resultou em sua primeira colheita considerável há um ano. Mas isso é significativo para a indústria do café em geral? Para saber mais sobre o café na Sicília, conversei com Andrea Morettino e com o Dr. Christophe Montagnon.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre as origens emergentes do café especial para acompanhar.

Frutos do cafeeiro em diferentes pontos de maturação na planta

Como é cultivado o café na Sicília?

A Sicília é a maior ilha do Mar Mediterrâneo, com um clima mediterrâneo típico de invernos amenos e úmidos, além de verões quentes e secos. A proximidade da ilha com a África pode resultar em temperaturas mais altas do que na maior parte da Itália, tornando-a mais adequada para o cultivo de café.

A torrefação Morettino está localizada na cidade de Palermo, no noroeste da Sicília. A cidade fica a cerca de 15 graus mais ao norte do Trópico de Câncer. Esta latitude é importante para notar como a maioria do café é cultivada entre os trópicos de Câncer e Capricórnio, 23,5 graus acima e abaixo do equador. Esta área é comumente conhecida como Cinturão do Grão, que inclui principalmente países da África, América Central e do Sul e Ásia-Pacífico.

Andrea é Chefe de Vendas e Marketing da Morettino Coffee, que foi fundada por seu bisavô em 1920. Ele explica que as sementes foram plantadas a cerca de 350 metros acima do nível do mar, ao ar livre.

“As sementes foram capazes de se adaptar ao clima siciliano nas latitudes mais ao norte”, diz ele. “Mas, ao longo dos anos, algumas plantas não sobreviveram ou não produziram muitas cerejas.” Embora seja bastante incomum, a produção de café em pequena escala é possível fora do Cinturão do Grão. Veja alguns exemplos:

Europa

A Mais de 3.500 km a oeste de Palermo está localizada uma pequena fazenda de café em SãoJorge, nos Açores (uma região autônoma de Portugal). Os Açores têm um clima subtropical, o que permitiu que a fazenda cultivasse cerca de 800 plantas de café.

A fazenda SãoJorge foi fundada há cerca de 40 anos e cultiva café exclusivamente para consumo local. Nas Ilhas Canárias, ao largo da costa noroeste de África, também há o cultivo de pequenas quantidades de café, particularmente no Vale do Agaete e em Gran Canaria.

Estados Unidos

O estado do Havaí produz cerca de 2,3 milhões de kg de café verde todos os anos, mas o café também foi cultivado em outros lugares nos EUA.

Na Califórnia, após vários testes de pesquisa, pés de café arábica foram plantados em altitudes de até 180m acima do nível do mar. Atualmente, mais de 70 propriedades estão cultivando e vendendo café para consumo local.

Cientistas da Universidade da Flórida estão cultivando plantas de café na Plant Science Research and Education Unit. Os cafeeiros são cultivados sob condições controladas, antes de serem consorciados com árvores de frutas cítricas.

Austrália

Embora o café esteja presente na Austrália desde 1800, seu cultivo só se deu em uma escala muito pequena desde o final da década de 1980. A maior parte da produção de café do país está na cidade costeira de Byron Bay e na cidade rural de Atherton Tablelands.

Existem cerca de 50 fazendas de café na Austrália cultivando mais de meio milhão de árvores, principalmente variedades Catuaí e K7. Aqui, o café pode ser cultivado com sucesso a partir de altitudes de 15 a 900m acima do nível do mar.

Flores de café

A primeira colheita de café siciliano

Andrea afirma que o projeto de café Morettino foi “uma visão ambiciosa a médio prazo”. Ele explica que as primeiras cerejas verdes apareceram em meados de dezembro. Segundo ele, a colheita em pequena escala é possível durante a primavera, mas a maior parte dela  ocorre entre junho e setembro.

A família Morettino escolheu a dedo as cerejas maduras e depois as processou usando o método honey. Isso incluiu um estágio inicial de fermentação lavada de 48 horas, antes de deixar as cerejas secarem. O café foi então torrado em um perfil de leve a médio.

“Tinha um sabor muito refinado, com acidez equilibrada e doçura natural”, diz Andrea. “Estamos muito orgulhosos disso.”

Ele acrescenta que o terroir exclusivo da Sicília ajuda a dar ao café sabores distintos. “As notas de degustação incluíam uvas Zibibbo (uma antiga variedade de uvas Moscato), alfarroba e flores de plumeria brancas e doces, nativas da Sicília.”

No entanto, ele observa que o projeto ainda está em seus primeiros dias, então uma produção substancial pode levar algum tempo. “Levará pelo menos uma década até que nossa fazenda possa produzir mais café.”

Andrea e Arturo Morettino em meio à plantação de café

O café siciliano será mais cultivado?

Naturalmente, o sucesso do projeto dos Morettinos levanta questões sobre o cultivo de café em outros lugares em toda a ilha, bem como em outras regiões mediterrâneas. Andrea atribui o “potencial inesperado” do cultivo de café na Sicília à produção de outras plantas tropicais na ilha, como manga, mamão, abacate, kiwi e lichia siciliana.

“A Sicília tem milhares de propriedades e estufas abandonadas que podem ser restauradas e convertidas para a produção de café”, diz ele, indicando o potencial. No entanto, ele acrescenta que isso só será possível se as gerações mais jovens da Sicília mostrarem mais interesse em fazendas de café.

Christophe Montagnon é o CEO da RD2 Vision: uma consultoria de pesquisa e desenvolvimento agronômico focada em café. Ele me diz que o café siciliano é “simbólico” para a indústria, mas esta colheita inicial será vista mais como uma “curiosidade”. Ao menos até que a produção possa ser dimensionada e replicada.

Ao perguntar a Christophe se a introdução de novas espécies de café poderia ser prejudicial para as espécies de plantas nativas existentes na Sicília, ele disse que os resultados poderiam ser positivos. “Teoricamente, não há impacto”, ele me diz.

Cristophe ainda acrescenta: “As árvores de café podem hospedar uma bactéria bem conhecida (Xylella fastidiosa) em algumas regiões do mundo, o que também afeta as oliveiras. Mas se as sementes importadas estiverem adequadamente em quarentena, não deve haver problemas.”

Cerejas de café bem maduras

Considerando os impactos das mudanças climáticas

A produção de café depende de condições de crescimento consistentes e ideais, como luz solar abundante e temperaturas estáveis. Para os países de origem ao longo do Cinturão do Grão, quaisquer mudanças significativas nos fatores ambientais, como aumento da temperatura ou aumento da precipitação, podem ser prejudiciais.

Isso se deve principalmente ao fato de os agricultores terem que “subir mais alto” para cultivar café com sucesso em temperaturas mais frias. Além disso, países menos desenvolvidos economicamente (que inclui a maioria das regiões cafeeiras) são mais suscetíveis aos efeitos das mudanças climáticas.

No entanto, verificou-se que o impacto do aumento das temperaturas globais beneficia a produção de café em zonas mais distante do Equador. Geralmente, se sentem as mudanças climáticas em menor grau nessas regiões do que ao longo do Cinturão do Grão.

Nesse sentido, Andrea diz como o tempo mudou na Sicília. “No ano passado, houve ondas de calor incríveis, com temperaturas recordes que atingiram cerca de 48ºC perto de Siracusa”.

“Também houve intensas tempestades tropicais, chuvas torrenciais e tornados. Nos últimos, estamos experimentando uma mudança nas estações, bem como uma dupla floração em plantas e árvores ao longo do ano”, ele acrescenta.

As mudanças climáticas e sua relação com o café siciliano

Christophe ressalta que é difícil afirmar se a mudança climática é o único contribuinte para a produção de café da Sicília. “No entanto, o cultivo de café na Sicília pode se tornar mais adequado com as mudanças climáticas.”

Plantar café mais longe do equador pode eventualmente se tornar uma realidade para a indústria do café do futuro. Um estudo de janeiro de 2022 do Potsdam Institute for Climate Impact Research descobriu que, em 2050, as áreas para o cultivo de café no Brasil, Vietnã, Colômbia e Indonésia devem diminuir.

“Como o clima está mudando globalmente, os esforços para criar mais variedades de café inteligentes em relação ao clima podem beneficiar regiões como a Sicília”, diz Christophe. Enquanto isso, Andrea diz: “Precisamos monitorar o sucesso de nosso projeto experimental. Com o tempo, a Sicília pode vir a se tornar uma região produtora de café.”

Torrador de café trabalhando

O que o futuro reserva?

Embora a produção de café em grande escala na Sicília seja improvável por enquanto, a família Morettino permanece animada e otimista sobre seu potencial.

“É uma conquista enorme que queremos compartilhar com todos os amantes do café”, diz Andrea. “Queremos ampliar nosso ambicioso projeto de cultivo de café na Sicília. Estamos aprendendo mais sobre a cadeia de fornecimento de café e as perspectivas de cultivar mais café em diferentes áreas aqui.”

Andrea explica que a Morettino Coffee trabalha em estreita colaboração com vários centros de pesquisa na Sicília para alcançar esse objetivo. “Colaboramos com o Jardim Botânico de Palermo, a Universidade de Palermo e a Universidade de Catania”, diz ele. “Os diferentes projetos envolvem agricultores e pesquisadores em cafeicultura e fruticultura tropical”.

“A seleção dessas áreas foi feita para potencialmente cultivar café com base no solo, nas condições climáticas e no terroir”, acrescenta. “Monitoraremos de perto o potencial de diferentes espécies e variedades.”

No entanto, a viabilidade comercial é outro fator a considerar. “O cultivo de café na Sicília é lucrativo?” Christophe pergunta. “Dado o salário-mínimo na Europa, você precisaria vender café a um preço alto.” Esta é uma das principais razões pelas quais os preços do café havaiano são mais altos do que outras origens. “É tudo sobre marketing e as crescentes demandas dos consumidores por um nicho de café”, conclui Christophe.

shot de espresso sobre uma mesa, com uma escultura ao fundo.

O sucesso do Morettino Coffee mostra haver algum potencial para uma maior produção de café na Sicília, mas não há dúvida de que levaria um tempo considerável para aumentar os volumes de produção. No entanto, com base nos resultados dos cuppings da fazenda, a qualidade parece ser promissora.

Enquanto constatamos as temperaturas globais médias aumentarem, os países produtores de café tradicionalmente não convencionais que emergem fora do Cinturão do Grão podem se tornar uma visão mais comum.

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como repensar o café na Itália, a capital do espresso.

Créditos das fotos: Morettino

PDG Brasil

Traduzido por Daniela Melfi

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